El Viaggio a Reims. Rossini. Lisboa. (portugués). Opera World

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Uma viagem à ópera

06/02/2014 – 13:40

Para quem, como eu, tinha saudades de ópera em São Carlos, o Rossini agora oferecido é um pouco como o que nela se conta: uma mero vislumbre do destino, uma verdadeira temporada de ópera.

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Quanto ao elenco de solistas, saúde-se a opção de recorrer a boas vozes nacionais, com destaque para a soprano Eduarda Melo (Corinna) NUNO FERREIRA SANTOS

Rossini, Il viaggio a Reims. Solistas, OSP dir. Yi-Chen Lin. Lisboa, TNSC, 5 de Fev., 20h (repete 7, 9 e 11 de Fev.). Sala quase cheia. Três estrelas.

Este é um espectáculo divertido, com artistas empenhados e conseguindo, no seu todo, um desempenho digno de aplauso.

Contudo, para quem, como eu, tinha saudades de ópera em São Carlos, o Rossini agora oferecido, Uma Viagem a Reims, é um pouco como o que nela se conta: uma viagem que se vai apenas preparando, com mero vislumbre do destino, como miragem: uma verdadeira temporada de ópera.

No momento em que escrevo, foi anunciado só mais um espectáculo: uma zarzuela
. Atendendo a que tanto essa como a actual produção vêm de Madrid, o São Carlos – sem director e orçamento que lhe valham – começa a parecer-se com uma sucursal de Castela. Que isto suceda sob o mesmo Governo que acabou com o feriado do 1º de Dezembro é, no mínimo, perturbante. Mas de Castela vem-nos, mesmo assim, só o baratinho.

Os cenários desta ópera são tão mínimos que apenas a boca de cena é utilizada. Em compensação, o encenador Emilio Sagi brinda-nos com uma caracterização desenvolta das personagens e das situações, adequada à ligeireza cómica, com alguns achados imaginativos de permeio.

A direcção musical da maestrina Yi-Chen Lin é de uma eficácia que nos surge especialmente notável na medida em que as partituras rossinianas favorecem naturalmente a descoordenação rítmica entre orquestra e cantores; os instrumentistas responderam com brio, havendo ainda a destacar os excelentes solos de harpa e de flauta.

Quanto ao elenco de solistas, saúde-se a opção de recorrer a boas vozes nacionais, com destaque para a soprano Eduarda Melo (Corinna), que se destacou pela beleza do timbre, fluidez na coloratura e expressividade lírica. O barítono Luís Rodrigues (Don Profondo) alardeou os seus dotes histriónicos, apoiado numa invejável segurança técnica. A soprano Carla Caramujo (Condessa) e a meio-soprano Marifé Nogales (Marquesa) estiveram perfeitamente adequadas aos seus papéis, com vozes assertivas e seguras. Diga-se de passagem que uma ocasional perda de apoio numa nota não é significativa, mormente tratando-se de árias tecnicamente tão exigentes como as de Rossini. Mas, no ataque de agudos, há ainda alguma evolução técnica a esperar dos tenores Vassilis Kavayas (Conde) e Dempsey Rivera (Cavaleiro Belfiore), cujos dotes vocais e musicais são, de resto, inegáveis. Já o baixo Francisco Tójar (Lord Sidney) nos pareceu, simplesmente, um erro de casting.

Tendo começado com alguma timidez, a soprano Cristiana Oliveira (Madame Cortese) acabou por afirmar a sua qualidade; a sua entrada foi precedida por uma boa intervenção da meio-soprano Ana Ferro (Maddalena). Excelente desempenho tiveram igualmente, entre outros, os barítonos Diogo Oliveira (Barão) e João Merino (Don Alvaro) e o baixo Nuno Dias (Don Prudenzio). Quanto à ópera em si, trata-se de um divertimento marcado por uma circunstância particular (a coroação de Carlos X de França); isto levou o próprio Rossini a desvalorizar o trabalho, musicalmente reaproveitado para a ópera Le Comte Ory, estreada três anos depois. Há, contudo, passagens deliciosas (como o sexteto); a energia é transbordante, a orquestração brilhante e a caracterização da nacionalidade dos personagens, entretecida de citações e outras referências musicais, muito interessante.

Lamente-se, a este propósito, que no programa de sala (desta vez oferecido) se tenha prescindido de qualquer enquadramento histórico, musicológico ou dramatúrgico da ópera de Rossini. A exclusão de qualquer reflexão sobre a ópera trai uma concepção alienante do espectáculo musical e promove a menorização intelectual do espectador. Contraste-se esta prática com a da Companhia Nacional de Bailado, em cujos programas de sala se poupa muito em papel e impressão, mas nunca em informação e pensamento.

MANUEL PEDRO FERREIRA