A ópera The Turn of the Screw, de Britten é apresentada pela primeira vez em São Paulo em homenagem ao centenário do nascimento do compositor.
Torci o nariz quando vi esse título na programação, no vídeo é uma coisa , ao vivo no teatro a emoção é superlativa. Grande sacada do Theatro São Pedro/SP em montar esse título raro por essas bandas. Britten é o maior compositor britânico do século XX , sua música é original e com um estilo único. Não cai nos modismos do dodecafonismo, compõe do seu jeito e à sua maneira. A maioria de suas composições operísticas são de câmara e algumas delas tem enorme sucesso internacional.
Em The Turn of the Screw, Britten utiliza um texto homônimo de Henry James cheio de ambiguidades e mistérios, onde fantasmas aparecem e desaparecem do nada. Não é só de Gasparzinhos que a ópera é feita, temos conotações homossexuais e repressões para todo gosto. Só lembrando que se você fosse homossexual na Inglaterra dos anos 50 podia acabar no xilindró. Musicalmente, The Turn of the Screw é um petardo cheio de criatividade, a grande sacada de Britten é ter um tema principal com um núcleo dramático composto por 16 cenas (cada uma associada a um instrumento musical) ligadas por 15 interlúdios. Isso é um pesadelo para os produtores e a contra partida é música de excelente qualidade.
A escalação do elenco para a apresentação do último dia 18 de Junho foi acertada. A gaúcha Luísa Kurtz mostrou bela musicalidade vocal, timbre lírico com agudos harmoniosos e interpretação cênica convincente da personagem The Governess. Chimarrão e churrasco fizeram bem ao soprano que teve uma atuação marcante e comovedora. Pena não poder dizer o mesmo de Céline Imbert, o soprano faz uma atuação convincente da personagem Mrs. Grose. Sua voz saiu gritada no primeiro ato e oscilou no segundo, despejava potência vocal sem necessidade, tornando-a agressiva e forçada no pequeno teatro, quer transformar sua voz maior que a personagem.
Luciana Bueno fez uma Miss Jessel no ponto, arrebentou com um belo timbre escuro de mezzo-soprano, esbanjou em belos graves e interpretou com grande qualidade artística. Não entendo por que esse talento vocal é tão pouco aproveitado em nossos teatros líricos. O Peter Quint de Juremir Vieira trouxe um timbre com agudos convencionais e consistentes em todos os registros. Os jovens que fizeram Flora e Miles mostraram precoce talento e grande desenvoltura vocal e cênica.
A Orquestra do Theatro São Pedro regida pelo maestro convidado Steven Mercurio fez uma bela exibição. Música em bom volume e som, solos de violino e violoncelo primorosamente tocados e uma musicalidade adequada ao tamanho do teatro proporcionou belas notas aos ouvintes.
A direção de Lívia Sabag capta a essência do libreto e com criatividade e algumas ousadias faz uma bela leitura das 16 cenas. Auxiliada pelos cenários dinâmicos de Nicolás Boni , figurinos de Veridiana Piovezan que nos transportam para os campos ingleses e a luz que auxilia o enredo de Wagner Pinto, a concepção de Lívia Sabag mostrou todas as tensões e ambiguidades sexuais dos personagens. Diretora de ópera em evolução permanente.
Tenho que falar da qualidade do programa , dois textos informativos introdutórios e a biografia completa dos solistas e produtores em um papel de qualidade fazem que o guardemos para a posteridade.
Ali Hassan Ayache